Hoje desci de Sintra para a Praia das Maçãs. Segui a linha da minha infância até á praia. Lembrei-me dos domingos ás 8h da manhã ao chegar á praia e das patinhas das gaivotas a picar a areia. Lembrei-me do ar fresco da serra a descer e a criar um nevoeiro de Julho ao longo da viagem, encobrindo a linha do eléctrico. Lembrei-me de fazer o caminho do eléctrico desde a Vila até á praia.
Hoje vi a linha do eléctrico pejada de ervas, e uns canteiros a arranjar a linha para o eléctrico passar. A Linha agora abre como percurso turístico para circundar a serra até á Praia das Maçãs.
Tenho reminiscências dos bancos de madeira e do barulho do sino do eléctrico. Eu de fato de banho, toalha ao ombro, o cesto com a merenda, ao lado, a minha família e outras famílias no eléctrico a descer para a praia, enquanto o nevoeiro descia da serra tornando a viagem um mistério. E quando o eléctrico emergia do nevoeiro, qual D. Sebastião retornado de Alcácer Quibir para salvar a pátria, estávamos junto á placa que dizia “Praia das Maçãs”.
Hoje desci de Sintra para a Praia das Maçãs. Quem nunca desceu da Vila para a Praia das Maçãs, e foi almoçar á praia?
Vi o eléctrico em testes ao longo do caminho. Hoje é vermelho, esmaltado e polido. Julgo que já nem seja eléctrico, mas vi-o em testes ao longo do caminho. Lembro-me que ele não era vermelho, era aberto, e tinha um aspecto surrado, feio, velho e usado, mas era sinal de praia. Era sinal de férias, era sinal de que o dia seria bom, mesmo que o eléctrico avariasse, e tivéssemos de ir a pé para a praia, toalhas, cestos, geleiras ao ombro.
Lembro-me que o eléctrico era aberto, e, em pleno florescer do Verão, tocávamos nos arbustos e árvores ao longo do caminho, mostrando felizes e rejubilantes as folhas e ramos que conseguíamos recolher.
Hoje desci de Sintra para a Praia das Maçãs. Parei na Praia Grande para ver a praia que muitas vezes não tem areia, ali encastoada entre as falésias, como que presa pela terra, sempre virada para o Atlântico, sempre revolto. Almocei por ali, era quarta-feira e havia bom peixe. Come-se sempre bem por aqui, no meio das recordações de quando comer fora era “para os ricos”, e agora é acessível (caro, mas acessível).
Ao subir para a Vila vi a Pena e o Palácio dos Mouros (porque lhe chamarão assim?), e a imensa floresta, um micro-clima que envolve a serra, existe aqui e em mais lado nenhum. Esta floresta foi aqui plantada, cheia de mistério, enevoada, sombreada de luz e sombra (mais sombra que luz), um pouco fria, densa e escura. Recorda-me de coisas de que não me recordo, fantasmas, mistérios á luz da lua, namorados em segredos, romances históricos, romantismo desmedido.
E recorda-me sempre qualquer coisa que não sei bem o quê.
Subi á Vila para um passeio, um bolo e um café, no meio dos turistas que inundam sempre a Vila.
Ao passear no Centro da Vila vi recuerdos do eléctrico – a chapa, o farol, pequenos modelos do mesmo, e dos de Lisboa, até uma T-shirt. Comprei um íman de frigorifico que tenho em casa colado. Lembra-me sempre das minhas viagens de criança, do nevoeiro, do sino e da toalha ao ombro.
Vi no jornal que o eléctrico tem horários de Primavera, Verão e Outono, e já decidi que vou fazer uma viagem, vou levar os miúdos, a família e reviver a reminiscência da minha infância e quem sabe da infância deles. Quem não gosta de se reviver? Ver as fotografias, e colá-las em molduras, em paredes, nas carteiras? Eu colo-as no frigorifico, levo-as nas T-shirts, tenho-as em cima do móvel, na caneca do pequeno almoço.
Veja a nossa Colecção dedicada ao Eléctrico de Sintra
Belo passeio 😉